quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Entrevista na Revista Portais


Após 10 anos de estudos e trabalho em Londres, a terapeuta carioca Sonya Prazeres trouxe para o Brasil a Vozterapia, que vem se desenvolvendo na Europa nos últimos 20 anos, a partir das pesquisas do Roy Hart Theatre na França, e da School for Voice & Movement Therapy em Londres. Sonya ressalta que desde Freud, todas as correntes terapeuticas abordaram a voz de alguma forma, mas a Vozterapia passa a utilizar a voz em si mesma como meio para a abordagem terapeutica, buscando a expressão da emoção através dos sons não-verbais e da voz cantada.

O que é a Vozterapia?
Vozterapia faz parte de uma metodologia terapeutica nova e experimental chamada Psicofonia, que inaugurou varias correntes modernas da terapia vocal holistica, e que influenciou dois dos maiores diretores do teatro experimental moderno: Jerry Grotowsky e Peter Brook. O interesse fundamental da VT é a ex-pressão, em oposição ao mecanismo da de-pressão.

Qual o objetivo da Vozterapia?
Vozterapia busca resgatar as emoções que estão enterradas, suprimidas, ou aprisionadas, dentro de cada um de nós. Porque a voz é a mais fiel expressão dos nossos sentimentos, a Vozterapia busca encontrar na voz a informação afetiva que representa a verdade de cada individuo, a essência de sua psique. Assim como temos uma impressão digital, temos uma identidade vocal única, pessoal e intransferivel. A maioria das pessoas, porém, passa a vida utilizando apenas 10% de sua capacidade vocal, que corresponde à sua expressão psíquica. A Vozterapia acredita que ao abrir seu registro vocal as pessoas também se abrem para a sua plenitude psíquica.

Como surgiu esta tecnica?
Vozterapia foi descoberta intuitivamente pelo medico judeu Alfred Wolfsohn, nascido em Berlim em 1896. Tendo trabalhado nas trincheiras da 1ª guerra, Wolfsohn ouviu com horror as emissões vocais dos soldados em sofrimento e desespero. Eram sons tão estranhos, guinchos, gemidos, grunhidos, que nem mais pareciam sons humanos, e depois de livre das trincheiras, W. continuou perseguido durante muito tempo por aquelas vozes "in extremis", que ecoavam incessantemente dentro de sua cabeça. Como nenhum dos tratamentos a que W. se submeteu deu resultado, ele resolveu "exorcizar" a vozes, tentando reproduzi-las fora de sua cabeça.


O resultado foi surpreendente. Além de se libertar das vozes, W. pôde perceber que: 
, para emitir tais sons, ele entrava em estados-limite de extrema emoção, a ponto de sentir suores, calafrios, tremores, sensações de desmaio, perda de consciência etc. 
, sua voz abria para extremos graves ou agudos que ele nunca imaginara poder alcançar, pois as notas eram até 5 oitavas acima ou abaixo de sua voz normal. 
, depois destas emissões, ele se sentia mais forte, mais integrado e mais alegre, como se algo tivesse se juntado ou organizado dentro dele. Além de se curar, W. abriu sua extensão vocal para 8 oitavas, e percebeu que a voz humana podia atingir um expansão, uma circunferencia muito maior do que a até então conhecida. 
Interessado na pesquisa destes novos sons, e também em ajudar outras pessoas a experienciar essa plenitude vocal/emocional que ele recém descobrira, W. organizou um grupo de alunos, que o acompanhariam por 15 anos neste laboratorio do ser.

De que forma o trabalho evoluiu para a terapia?
Contemporâneo e profundo estudioso de Jung, W. percebeu que os conceitos de arquetipo, anima e animus, sombra, mascara, e persona, eram perceptiveis também na voz, e que se o sonho refletia os diferentes aspectos da psique em imagens, a voz refletia estes mesmos aspectos nos sons. Gradualmente seus alunos, que aí chegavam em busca de novas técnicas para o bel canto, iam mergulhando na busca desta nova voz, e a relação aluno-professor ia se tornando mais especial e íntima. Como conta Marita Gunther, uma de suas alunas: "... o que havia de comum entre os estudantes era que eles podiam atingir alturas e profundidades com suas vozes que eu nunca ouvira antes (...) e as vozes apresentavam colorações que me emocionavam profundamente. Mas muito mais que o virtuosismo e a extensão, o que me impressionava era o que acontecia entre o aluno e o professor, um dar e receber de ambos, e a intensa concentração durante o trabalho". Alguns de seus alunos chegaram a cantar toda a extensão do grand piano, com uma voz cristalina! e muitos começaram a procurar W. para explorar esssas emoções, humores e qualidades da voz, ou para solucionar conflitos psicológicos, pois os resultados do canto sempre traziam a libertação de restrições de natureza física ou mental.

Mas então, como seria esta estória do registro?
O que W. descobriu é que o registro, a potência e os timbres da voz não dependem unicamente de um virtuosismo técnico ou anatomia, mas sim e principalmente da emoção. Dentro do paradigma do bel-canto, quando o cantor atinge a nota mais aguda ou mais grave de sua extensão vocal, sua voz começa a expressar uma quebra, ou mudança de qualidade, que seria o ruído, ou nota suja, ou não-música. Os professores de canto lírico não permitiriam ao aluno a emissão destas notas, porque, segundo eles, esta emissão poderia danificar o instrumento vocal, e seria antinatural forçar uma voz a encapsular notas que estariam além do registro vocal de cada um. Esta afirmação parte do pressuposto de que cada pessoa já nasce dotada com uma determinada extensão vocal - geralmente 2 a 2 e meia oitavas - e daí vem a classificação em registros: soprano, mezzo-soprano e contralto para as mulheres, e tenor, baritono e baixo para os homens. No canto lirico, os cantores sao levados a desenvolver sua voz apenas dentro desta pequena extensão que lhe é dada.

Haveria então uma voz expontânea e mais ampla?
Sim, exatamente. Para Wolfsohn, o antinatural era esta compartimentação em registros, pois a voz natural é livre e irrestrita, e não deve ser contida dentro de limites. Ao contrário, esta voz livre é capaz de ir muito além destes limites de registro, e W. demonstrou que anima e animus, em seus aspectos contra-sexuais, eram potencialmente audíveis atraves da educação da voz baixo na mulher, e da voz soprano no homem. Além disso W. percebeu, em seu trabalho, que a totalidade da expansão vocal compreendia um imenso espectro de emoções, que abrangiam não apenas os sons escuros e agonizantes do sofrimento, mas também os sons luminosos da alegria e do prazer. Mais ainda, em busca desta plenitude vocal, W. procurou reconectar a voz humana com um tempo em que o homem tambem se expressava atraves da comunicação pre-verbal, para imitar a chuva, o vento, os animais, e outros elementos, e a sua linguagem então era muito mais rica em formas de expressão do que a linguagem verbal.

E como podemos encontrar esta voz natural e livre?
A voz está intrínsecamente ligada à emoção, como foi dito antes. Assim, o bebezinho, que está totalmente entregue às sensações de prazer, fica dando gritinhos expontaneos de pura alegria, e ele pode fazer isto por horas, sem nenhum estresse para a sua delicada vozinha. Porque ele está experienciando a plenitude da alegria, que nós adultos já não contactamos tão fàcilmente. Já o adulto vai a um jogo de futebol, grita gol algumas vezes, e volta rouco pra casa. Porque a voz do adulto já está num padrão de estresse, carregada de pressões, inibições, medos, conflitos, ansiedades e complexos. O trabalho da Vozterapia busca, através da liberação da emoção que está aprisionada naquela voz, reconhecer, legitimar e integrar aspectos da nossa personalidade que estariam ocultos no que Jung chamou de sombra - o nosso lado escuro, negativo, inferior, que está disfarçado atrás da persona ou máscara, porque representa o não-aceito socialmente, tudo aquilo que está discriminado dentro do conceito estético do feio. Ao incluir estes aspectos, nos tornamos muito mais expressivos, pois reconquistamos nosso direito de berrar, gritar, soluçar, gemer, e emitir sons mais instintivos e animalísticos como os uivos dos lobos, o rosnar dos cães, o trinar dos pássaros. Podemos encontrar o gato, o tigre, o leão, o macaco, o urso, a bruxa, o velho, a criança, e muitos outros seres que vivem arquetìpicamente dentro de nós.

E como a Vozterapia acessa estes arquétipos emocionais/vocais?
Usamos bàsicamente os timbres, que são formas epecíficas de emissão vocal. O aluno ou cliente é convidado a emitir sons os mais expontâneos possíveis, até que eu possa perceber dentro destes sons, o que está aprisionado. A partir daí, eu escolho os timbres mais adequados para, através do som, buscar aquela emoção que eu pressenti e que está enterrada. É um trabalho de sensibilidade e escuta, e de muito envolvimento. Acrescento aos timbres movimentos e jogos teatrais, exercicios e manipulações corporais, além de muita cantoria. Ao incorporar as imagens arquetípicas, eu conto com a participação do inconsciente coletivo, e o processo terapeutico se torna muito rapido e poderoso. A voz passa a ser uma catarata e as emoções fluem muito ràpidamente, como a agua, lavando a pedra dura do ressentimento, levando o passado afetivo como pedras roladas, deixando claro e límpido o fundo deste rio da vida, onde corre a estoria pessoal de cada um. Neste processo, há um entre-tecer da voz com a emoção, onde uma vai puxando a abertura da outra.

E esta busca dos agudos e graves não poderia prejudicar uma estrutura física sensível como a laringe ou as pregas vocais?
Este sempre foi o grande pavor dos cantores. Mas a laringe é formada bàsicamente por cartilagens e músculos. E a maior característica do tecido cartilaginoso é a sua grande capacidade de moldagem em uma nova forma, e imediata recuperação da sua forma original. Quanto às pregas vocais, elas são formadas de tecido gelatinoso, fibras elásticas, e membrana mucosa - todos materiais extremamente moldáveis e plásticos. Os problemas relativos ao instrumento vocal quase sempre estão ligados à tensão muscular, que geralmente é provocada por uma situação de estresse emocional. Como o trabalho da Vozterapia busca a liberação das tensões e a abertura e relaxamento do aparelho fonador, seria quase que impossível haver qualquer dano. Wolfsohn, em seu trabalho, submeteu seus alunos à observação científica de especialistas da voz. O professor Luchsinger, de Zurich, que realizou várias filmagens estroboscópicas das laringes dos alunos de W. constatou que, ao contrário do que se pressupunha, suas laringes se apresentavam mais saudáveis, jovens, maleáveis e bem irrigadas, que as laringes de cantores de ópera com anos de treinamento.

Sonya, o que voce diria sobre a voz das pessoas, como reconhecer o que se passa com uma pessoa pelo que voce ouve da sua voz?
Parodiando o poeta, eu diria uma simples frase: Toda pessoa boa soa bem.

Sonya Prazeres viaja pelo Brasil e pelo exterior, dando workshops, cursos de formação e atendimento em sessões de Vozterapia. Além disso, Sonya organiza grupos de ressonancia sonora chamados Os Cantos Sagrados de Cura. 






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